"Mal sabia ela

que de noite, eu espreitava da minha janela de fundos a hora de Matilde pisar a relva do jardim na ponta dos pés, entre as amendoeiras e a casa dos empregados. [...] Encostava-se na parede da cozinha, a respiração curta, e me arregalava os olhos negros. Em silêncio nos olhávamos por cinco, dez minutos, ela com as mãos na altura dos quadris, agarrando, torcendo a própria saia. E corava pouco a pouco até ficar bem vermelha, como se em dez minutos passasse por seu rosto uma tarde de sol. A um palmo de distância dela, eu era o maior homem do mundo, eu era o Sol. Via seus lábios se entreabrirem, e acima deles brotavam uma gotículas de suor, enquanto suas pálpebras devagar cediam. Enfim eu me jogava contra o corpo dela, pressionava-o contra a parede da cozinha, sem contatos de pele, e sem avanços de mãos ou de pernas, por algum acordo jamais expresso. Com meu tronco eu a esmagava, quase, até que ela dizia, eu vou, Eulálio, e seu corpo tremia inteiro, levando o meu a tremer junto. [...] Quando dava por mim, estava colado nos ladrilhos da parede, porque num deslize Matilde sempre me escapava. E a cada vez eu ia inspecionar salas, quartos, banheiros, porão e sótão, fingindo crer que ela teria fugido por engano para dentro de casa. Muito mais tarde, depois que ela saiu da minha vida, mantive o capricho de procurá-la do mesmo jeito, toda noite, no chalé de Copacabana."

Commentaires

Erik Temporal a dit…
mt bom ... ^^ é de onde esse texto ? ou, foi vc que escreveu ? =]
Bib a dit…
É do "Leite Derramado" do Chico Buarque. É tãããão lindinho esse trecho!

Posts les plus consultés de ce blog

Nous

Le coeur brisé

Adaptabilité