Maria faz 79



Acho que conheci Maria no segundo ou terceiro dia em Lisboa. Ela é minha vizinha do sétimo esquerdo. Uma senhorinha de um metro e sessenta, cabelos brancos, olhos claros e usa óculos.

Maria me recebeu tão amorosamente que nem entendi. Não esperava logo de início já conhecer uma vizinha e me dar tão bem com ela. Aos poucos, todas as vezes que nos encontrávamos na entrada do prédio, íamos conversando amenidades, ela me mostrava fotos da família, me contava sobre o bairro, sobre o prédio, sobre os vizinhos, sobre o mundo.

Em dois anos, Maria acompanhou meus relacionamentos românticos, meus amigos hospedados, cuidou das minhas plantas enquanto eu viajava, me trouxe picolé, pão e almoço, me deu muitos beijinhos, me ajudou a ligar para o chaveiro quando me tranquei para fora de casa. Às vezes sentamos nas escadas do prédio como duas garotinhas e falamos sobre a vida, outra vezes bebemos cafezinho na mercearia de baixo ou no restaurante da frente. Ela para para falar com todas as pessoas, sempre puxando assunto, querendo se conectar, saber mais dos outros, aprender, ouvir e falar.

Ontem encontrei Maria quando voltava do supermercado e fomos tomar um cafezinho no restaurante da frente. Quando voltamos, ela me deixou na porta de casa e me disse "faço anos amanhã". Hoje, quando acordei, escrevi para ela perguntando que horas a veria e ela me disse que me escreveria quando saísse da igreja. Passou na minha porta às 12:10 e lhe dei um abraço e beijinhos de aniversário. Papeamos.

Maria é meu anjo da guarda. Um anjo que o universo me enviou para que não estivesse tão só aqui. Desde o primeiro dia senti que poderia contar com ela, que trocaríamos presença e carinho. Talvez tenha sido a primeira amiga que fiz chegando em Portugal.

Hoje lhe comprei flores e lhe escrevi uma carta. Lhe abracei e beijei. Me faz pensar que viver é sobre ser e ter uma Maria em sua vida. Ou várias Marias. Com afeto sincero, afetuoso, curioso, vibrante.

Viva Maria e seus 79 anos. Viva meu anjo da guarda. E que eu possa, algum dia, ser a Maria da vida de alguém(ns).

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