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Barca velha

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Normalmente quando eu estou atrasada pra aula pego a barca nova. A barca nova é bem mais rápida que a antiga, mas em compensação é toda fechada. Quando eu pego a barca nova tento ficar em pé do lado de uma janelinha pra pegar um pouco do vento da Baía de Guanabara e de quebra olhar pra paisagem do Rio ao entardecer. Quando eu pego a barca nova fico pensando sempre no quanto estou atrasada. Às vezes penso na vida, tento resolver algum problema.. A barca nova é como um ônibus, talvez. É muito bom pensar a vida nos meios de transporte. Mas tem dias, e eu confesso que são raros, que eu pego a barca velha. Normalmente eu também estou atrasada, mas me permito vez ou outra a ir na Ipanema (é o nome da barca velha). E, sim, eu me permito porque quando a pego não faço simplesmente uma travessia da Baía de Guanabara. Quando eu pego a barca velha é quase como uma experiência transcendental. Transcendental porque dá pra você ficar sentado (no chão) na parte da frente da barca. Quando ela vir

Sonho #01

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Nós estávamos em uma festa meia boca ou num evento sem graça. Não lembro direito, lembro que a gente tava quase transando no sofá quando você me perguntou as horas. Normalmente sou eu quem te pergunta as horas mas dessa vez foi você. Eu disse que era em torno das onze e você resolveu sair de lá. Ok. Eu abotoei a blusa e você me deu a mão. Não lembro exatamente em que bairro estávamos, mas eu chutaria Santa Teresa. Santa porque logo estávamos em uma ladeira bem íngreme e eu acho que estava de sapatilha porque meus dedos do pé começaram a doer um pouco por causa da inclinação. O caminho era bem escuro, tinha algumas árvores, e eu comecei a estranhar e te perguntei pra onde estávamos indo e você me disse que tinham uns amigos por lá. Foi me subindo uma tensão, mas sei lá, eu tava com você. Depois de descermos bastante encontramos um paredão sem saída, mas tinha uma porta entre-aberta com uma meia luz saindo dela. Você disse que era ali. Eu falei: "Cara, tem certeza?". Você

Vide

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Tem um grande rombo no meu coração. Um pedaço faltando, uma ferida aberta, uma sensação de vazio. Esse rombo tem nome, tem cheiro, tem voz. Esse vazio era cheio e completo e inteiro. Parece que foi arrancado, talvez eu mesma tenha arrancado, ou talvez eu tenha precisado da ajuda de outra pessoa pra conseguir tirá-lo inteiramente de mim. Quer dizer, não sei se o retirei inteiramente. Talvez existam alguns fragmentos, tipo o de uma morte inesperada que deixa isso: fragmentos. Mas meu rombo não é de morte. Meu rombo não é de doença ou de distância. Esse vazio fica do meu lado a maior parte do dia, ele descansa, às vezes ele sai, tem dias que ele me olha. Mas eu nunca olho pra ele. Esse buraco foi um buraco consciente. Um nada palpável que eu quis retirar de mim. Um calo, talvez. É difícil falar sobre ele. É difícil admitir que a culpa talvez seja minha. Eu tenho essa vontade louca de completar esse vazio, eu quero encaixá-lo no lugar. Eu só acho que a peça ficou grande demais, o

Des amies

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Esse lance de ter uma melhor amiga é muito engraçado. É meio assustador, até. Você não pensa que vocês são, de fato, melhores amigas. É um título com muito peso, sei lá. Talvez até exista um medo lá no fundo de que você não seja você e sim a continuação da sua amiga, ou vice versa. Na adolescência, então, não ser você mesma parece a morte (afinal, rola toda aquela pressão de auto-afirmação e blábláblá). Mas mesmo sendo difícil encarar a expressão "melhores amigas" é extremamente fácil ter uma relação assim com alguém. É algo que rola naturalmente quando duas pessoas têm muita afinidade. Quase um relacionamento amoroso só que sem sexo. Estar em um relacionamento como esse é... gratificante. É não ter medo de ir nos lugares e ficar deslocada, porque você sabe que sempre vai ter aquela pessoa ali do seu lado. É poder não ter medo de falar com estranhos porque você sabe que a sua melhor amiga vai estar com você se alguma coisa der certo ou errado. É ter segurança, acima de

Pra quem não suporta feminismo

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Esses últimos  dias aconteceu a "Marcha das Vadias" em todo o país. Pra quem não sabe, a marcha começou ano passado por causa de um descaso da polícia canadense em relação ao estupro de uma menina perguntando "como é que ela estava vestida", a partir daí, em várias partes do mundo, rodaram várias manifestações contra a violência contra as mulheres e o fato de termos que escutar esse tipo de coisa quando somos violentadas. Mas meu intuito com esse post não é falar especificamente sobre isso, meu intuito é falar diretamente para homens e mulheres que acham o feminismo uma grande besteira. Antes de começar, no entanto, eu gostaria de dizer que não sou feminista fervorosa, não acho que homens e mulheres são exatamente iguais (temos inúmeras diferenças) e aceito diálogo (inteligente) em relação a essa questão. Bem, vamos lá: Dias antes da marcha acontecer eu publiquei um flyer na internet avisando e lembrando às pessoas que o ato iria ocorrer. Nos comentários um co

Rêves.

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Charnels.

La Danse

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falta ar falta o ar dos outros anos os movimentos corporais a sensação de sonho falso esses mil versos em má harmonia criada naquela euforia deslumbrante cega miúda mas não muda pois falava-se tudo o tempo todo as palavras caíam, tortas desengonçadas, puras e já não cai mais nada já não ouve-se mais melodia vazia o que se escuta são a músicas de outros que se estendem pelos corpos de leveza e dor e chão e nada mais causa esse abismo essa falta inconcebível toda loucura, fraca e graciosa ouve-se agora só os gemidos do amor os movimentos da alegria os passos da pressa gratificante a música da plenitute

Dona Formiguinha

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Quando ela desligou o telefone percebeu que as coisas já não eram mais as mesmas. Semana passada ela havia jogado fora dois potes enormes de macarrão feitos na hora. E, sim, se arrependeu demais. Dona Formiguinha já estava bem velhinha, mas gente velha não joga fora macarrão fresco. Ficou nervosa, mas não havia mais como restituir-se de toda aquela massa agora descansando no lixo. A ansiedade lhe bateu de supetão. Uns dias antes no entanto, perto do dia de natal, ela havia comprado umas lembrancinhas com o marido para as netas. Eram umas fofurinhas, mas por conta de sua idade avançada se esquecera rapidamente do que tinha comprado. Quando a neta primogênita, Carla Alberta, foi visita-la, seu coração de senhorinha começou a palpitar, lembrando que comprara algumas lembrancinhas para ela, mas não se recordando do que se tratavam. Dona Formiguinha ficou ansiosa e levou a neta para abrirem juntas os presentes sem que seu marido, Seu Bentinho, descobrisse. A neta não entendeu nada, mas já

Complète

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Ela acordou com o sol, do lado o tal do amor da vida dela enfiava a cabeça no travesseiro. Deu uma agulhada na garganta por causa de tanto cigarro da noite passado. Juntava as roupas, ajeitava os livros, ia beber água, respirava com dificuldade. E bateu de súbito, naquelas seis e quinze da manhã, uma gratidão esplêndida de corpo e alma. Corpo e alma, sim, porque ela aos poucos beijou cada um de seus dedos e as palmas das mãos, tudo pela luz da cozinha. E tocou o corpo, pegou em sua cintura, afagou os cabelos, lambeu os lábios. Sentia-se. Sentia-se perfeita e intocável, acordada pelos raios de sol da manhã. Sentia-se envolvida, inteira, forte e ao mesmo tempo frágil. Tocava-se, devagar, rápido, com força e com delicadeza. A pele, os ossos, os músculos, a gordura, os órgãos, as juntas, os cabelos. Tudo. Tudo em perfeita harmonia num corpo feminino. Não que fosse feminina, só às vezes era, mas via-se como mulher. Como fruto de uma mãe natureza cuidadosa e delicada. Pisou nas ponta