La nouvelle normalité


Fico me perguntando se vou me lembrar de verdade de tudo o que aconteceu nos anos de pandemia e nos processos que rolaram durante esse período.
Tanta coisa aconteceu que já não sei se me reconheço bem. De todas as coisas narradas aqui percebo que já sou tão outra, ou tantas outras, que o momento de retorno ao "novo normal" parece um abismo profundo, povoado de névoas e fragmentos abstratos.
Me pego num ápice estranho da vida adulta: as contas já não são mais novidade e não assustam tanto, os afazeres domésticos são empurrados até que possam ser feitos no limiar do tolerável, a comida está bem feita e me sinto saudável por dentro, a rotina é macia e delicada, previsível e acolhedora, com pequenos toques abrasivos que circundam o marasmo.
Nos últimos dois finais de semana senti genuíno tédio. O tédio que me carrega diretamente para os meus oito ou nove anos de idade nas tardes quentes em um apartamento em Copacabana. A televisão ligada, a água com gelo, o suor na testa. Tédio, nada além disso.
É estranho viver esse tédio sendo uma adulta. Está tudo bem. Não sobra nada, mas também não falta, exatamente como quando eu era criança. Há pequenos anseios cotidianos, mas nada especial que me tire o sono, como é o sono de uma criança. Meia noite eu durmo coçando os olhos e bocejando longamente e acordo como um reloginho às oito horas, como no dia a dia de criança.
De uma forma cômica acessei essa infantilidade boba nos últimos meses. Depois de muita dor e sofrimento que a pandemia, o desemprego, a falta de perspectiva e o medo do morte provocaram agora finalmente sinto o marasmo da segurança, da estabilidade, da possibilidade de perspectiva e da coisa mais preciosa: a presença de espírito. Viver um dia de cada vez.
Essa frase me foi repetida incansáveis vezes pela minha terapeuta e que raiva me subia até a garganta, embrulhada num nó contido em choro seco. Passei todos os 14 primeiros meses em aflição apocalíptica, transtorno obsessivo compulsivo em trabalho e estudo e tomada de uma vontade de mastigar incessante que me fez ganhar os quilinhos que estou perdendo nesse momento. E agora... No momento de baixa de casos, reabertura, flexibilização do uso de máscaras... me sinto, finalmente, presente.
Presente como me cobrava me sentir. Dá bastante raiva disso, na verdade.
E diante de toda essa presença agora me vejo no único conflito que ainda me resta: sair ou não sair? Há apenas uma coisa em jogo: trabalho e estabilidade financeira. Porque, testando positivo para a doença, adeus contas pagas no final do ano!
A equação é bem simples de ser resolvida e é claro que a estabilidade para uma transtornada obsessiva e compulsiva com trabalho, estudo e finanças ganha a batalha no ringue da tranquilidade da vida adulta. Mas... e como será que está o mundo lá fora?
Me pergunto o que tem acontecido e, a princípio, consigo ter alguma ideia pelos stories das redes sociais (que acredito que em um ano estará levemente ou praticamente falecida): carnaval fora de época. Saliva, suor, música e fricções carnais. Uma vontade imensa de me acabar em abraços de desconhecidos no calor distópico do centro da cidade em época de chuva e vento. Me embrulho nessa vontade louca de viver... 2019. Lá onde viajei para um casamento em terras longínquas e me enrolei em caninanas nos telhados sem forro. Onde dancei kuduru e falei lingala, escrevi cem páginas de etnografia enrolada e dancei banhada em suor tropical.
O que me espera agora? Em um mês faço aniversário e não sei o que fazer com o resto de juventude que me pertence. Os números ainda me parecem reguladores de horizontes que me fazem querer viver mais tudo, mas com toda a nova carga de adultísse que agora parece quase normal e quase aceitável na possível saída de uma situação pandêmica mundial.
Aguardo os próximos capítulos, mas hoje posso dizer que estou bem. Aguardando a máquina do tempo que me levará para 2019, mas em paz com corpo e espírito e toda a parte material que, sabemos, garante dignidade e, por que não?, alguma presença de espírito.

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