Le "non" à la pénétration



Quando sentimos uma opressão social talvez não percebamos o quão capilarizada e subentendida ela de fato seja na nossa vida cotidiana.
Com o (terceiro?) levante do movimento feminista no século XXI veio também muitas demonstrações de machismos cotidianos, as cantadas de rua, o assédio no trabalho, na escola, o estupro dentro da relação amorosa, a subjugação da capacidade feminina em ambientes antes majoritariamente masculinos, o medo do abuso sexual, a prostituição compulsória e a lista vai até onde houverem páginas para isso. As novelas estampam os relacionamentos abusivos, o empoderamento da mulher, a capacidade intelectual que temos. Está tudo aí.
Mas eu nunca senti tanto poder na minha vida quanto ao dizer "não" em ser penetrada. E ninguém nunca me contou isso.
Quando a penetração começou a doer no meu relacionamento heterossexual, deram rapidamente um nome: vaginismo. Ou qualquer coisa assim, existem vários nomes para dor na penetração e todos têm a ver com uma patologia mesmo que (surpresa!) a maioria das mulheres sentem dor na penetração por uma questão "na cabeça".
Sim, eu já fazia sexo sem penetração, mas não era a via de regra. A regra era ter penetração na maioria das relações. Era o certo, o normal, o desejável.
Quando passou um mês e em todas as relações eu não desejava ser penetrada, meu companheiro bradou: "você precisa procurar um médico!"
Me assustei imediatamente.
"Mas o que há de errado comigo?!", pensei. E falei, também.
Tinha momentos que eu não me sentia bem com a penetração e, sim, estava doendo, mas não era meio que normal? Não podia ser uma fase? Por que não podíamos esperar mais?
"Fale sobre isso na terapia", ele disse.
"Mas eu não quero", respondi. "Não tenho nada pra falar sobre isso. Não estou sofrendo com essa situação".
Fiquei muito apreensiva com a reação dele. Fiquei pensando que talvez, de fato, eu estivesse "doente" ou que precisava me tratar.
Marquei ginecologista, falei sobre isso na terapia. Minha ginecologista passou os exames de rotina e me disse "isso é na cabeça".
Minha terapeuta não disse nada.
Me senti cobrada, adoecida e insegura. Voltávamos no assunto com muita frequência, quase todas as vezes que transávamos. O que estava acontecendo? Eu estava farta já de ser colocada em cheque. Afinal, era dor. E dor é dor, não posso fazer nada contra ela além de não provocá-la.
Comecei a estudar, a princípio a contra gosto, mas descobri coisas que não imaginava que iria descobrir.
Alcancei mulheres maravilhosas que falam sobre a percepção do próprio corpo, sobre se tocar na integridade e não só genitalmente, sobre ser dominante nas relações e não abaixar a cabeça, sobre como o sexo reflete nossa vida social e profissional.
Toda a insegurança que a dor da penetração me causava me levou para experimentações sem fim: ocupar o posto de dominância numa cena BDSM, fazer o bondage ao invés de receber, instituir meus limites físicos e emocionais, dar tapas ao invés de receber, não pensar "o que o outro está pensando?" ou "será que ele está gostando?" e focar todas as minhas energias em mim e somente em mim.
E foi aí que eu descobri a força que é dizer não.
Não quero.
Não estou a fim.
Não vou fazer.
Não.
Eu percebi que, mesmo exercendo meu empoderamento enquanto mulher feminista na minha vida privada, eu ainda estava tentando agradar. Eu ainda estava pensando em como a outra pessoa estava se sentindo e tentando ser sempre conciliadora. Eu estava mais preocupada em dar do que em receber.
Passei a me preocupar muito mais em receber e percebi o que talvez o meu corpo estava me dizendo desde o início: "você não quer isso, você só está suportando isso". Suportando tanto a um ponto que ele [o corpo] teve que dizer: "chega. Se você não vai dar um ponto final nisso eu vou dar".
Ao invés de me desculpar por não poder ser penetrada eu passei a dizer: "É isso, não quero"
"Nem tentar?", ele perguntava
"Nem tentar, não tô a fim".
Eu aprendi a escutar meu corpo antes da dor acontecer. Eu não deveria ter pensando nisso há muitos anos?! De que nós podemos evitar que a dor aconteça muito tempo antes?!

Comecei a viver algo que nunca havia experienciado no sexo de longo prazo: a frustração.
Eu sempre evitei a frustração cedendo. Eu sempre estive no lugar de não deixar a pessoa com quem eu estava me relacionando se sentir frustrada. Mas eu podia lidar com a frustração. "Só um pouquinho", "ah, só hoje", "tá, pode ser".
No sexo menos hierárquico (e mais horizontal), quando duas pessoas querem coisas diferentes (e isso acontece o tempo todo na nossa vida, por que não aconteceria no sexo?!), as duas ficam frustradas. Isso nunca tinha acontecido comigo.
Nunca tinha acontecido parar no meio porque não estamos nos entendendo.
Porque cada um quer ir parar um lado.
Nunca tinha acontecido.
E hoje percebo como é a coisa mais normal. Interesses diferentes, pra isso muita conversa, pra isso sentimento de frustração, mas também de compreensão, reflexão e flexibilidade.
Percebi que o sexo pode ter outras funções, como uma função meditativa, relaxante, imaginativa, fetichista, de estreitar vínculos, de resgate à intimidade, de não genitalização, de contemplação.
Existem muitas possibilidades.
Da penúltima vez que fui transar precisei de 40 minutos de beijos porque estava estressada com prazos da faculdade. Só depois de muitos beijos e carinhos consegui abstrair as responsabilidades e pude relaxar e receber a penetração.
Da última vez que transei não queria nenhum estímulo genital. Queria mãos passando pelo meu corpo, mas sem masturbação. Depois da primeira demonstração de frustração do meu companheiro, combinamos que eu o masturbaria e ele continuaria a me acariciar da forma que eu achava melhor: de forma não genitalizada.
Com o passar da transa fui sentindo a necessidade de tocar minha vulva, o que aconteceu. Gozei antes do "combinado", outra frustração da parte dele. Tentamos levantar a bola, mas na terceira frustração achamos que o melhor seria parar.

Dizer "não" tem sido um processo doloroso, muitas vezes. Tem sido lento, tortuoso e diversas vezes muito frustrante, mas é também a coisa mais empoderadora que já experienciei em toda a minha vida. Como o poder de um "não" pode nos levar a lugares tão distantes?
Percebi que estava num certo piloto automático, a cabeça ia longe. Agora sou presente, estou ouvindo tudo que acontece comigo e isso talvez incomode até as pessoas que mais me amam e me cuidam.
A jornada é longa e voltar atrás me parece absolutamente impossível.
Eu acredito que é na nossa vida privada que encontramos a força de nos posicionarmos em sociedade, porque atravessar tantos tabus com quem se ama é adentrar as profundezas da estrutura machista e patriarcal que silenciou nossos corpos por tanto tempo.
Não vejo liberdade sexual como sendo a mulher poder ver filme pornô e andar com os peitos de fora. Liberdade sexual é se escutar, sentir o próprio corpo, entender as limitações reais e urgentes do dia a dia e profundamente se respeitar e amar. Liberdade sexual é só deixar que te toquem do jeito que você efetivamente gosta de ser tocada e experimentar até onde os seus limites lhe permitem.

Não existe nada mais poderoso do que uma mulher que diz "não" a ser penetrada.

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